A produtora Blumhouse publicou um editorial convidado em seu site oficial, escrito pelo ator Graham Skipper que relata uma conversa que teve sobre filmes de terror com um recém conhecido. Skipper é um ator super engajado no cinema de horror independente e participou de várias produções recentes do gênero atualmente como por exemplo Almost Human (2013) e o ainda inédito por aqui, The Mind’s Eye, além de interpretar ninguém mais ninguém menos que Dr. Herbert West, na adaptação teatral de Re-Animator.
Em seu relato, o ator fala sobre essa constante tentativa de diminuir o gênero horror, atribuindo à filmes de qualidade o título de suspense. Como fãs de um gênero tão frequentemente marginalizado, com certeza todos nós já nos deparamos com alegações do tipo “Esse filme é bem inteligente, então deve ser um suspense”, ou “não tem sustos e nem morte, logo não é de terror”. Isso não chega a ser um incômodo para a maioria, mas me coloco no grupo daqueles que se sente bem irritado com tais comentários. Ao considerar o terror um gênero que não possui inteligência, qualidade artística ou algum tipo de mérito cinematográfico, abre-se espaço para preconceito e falta de interesse por parte de produtores na hora de se produzir no gênero. Foi pensando nisso que entrei em contato com Graham Skipper e pedi a ele que me deixasse traduzir o artigo para compartilhá-lo com vocês!
Originalmente Skipper se refere ao gênero como horror e thriller, que optei por traduzir como terror e suspense respectivamente, facilitando o entendimento
Eu tive uma discussão uma noite passada com um cavalheiro que eu havia acabado de conhecer, um cara esperto que claramente é um fã de cinema e tem um profundo amor pelas artes. Eventualmente a conversa se direcionou para o Halloween, sobre como amamos essa época do ano, e se assistiríamos algum filme de terror bom durante o mês…
Foi então que uma frase já muito familiar foi proferida: “Eu não curto muito filmes de terror. Eu gosto de suspense psicológico.”
Eu permaneci calmo – Perguntei, “Hmm, tipo o que?”
“Ah, você sabe, O Silêncio dos Inocentes…”
(Meu cérebro: “Okay, tudo bem, acho que é compreensível…”)
“… O Bebê de Rosemary…”
(O filme sobre o bebê demônio e um culto satânico??”)
“… Ou, O Exorcista.”
(::Cérebro Explode)
Eu gostaria de um minuto com vocês, meu povo, para tentar entender isso melhor. Eu sou uma pessoa paciente e compreensiva, mas eu tive quase exatamente essa mesma conversa com vários outros, e toda vez eu falho em compreender como, por qualquer extensão da imaginação, alguém poderia se referia a “O Exorcista” como alguma coisa que não um filme de terror. Por que tantas reticências para chamar um filme de terror de… terror?
Eu vou citar alguns dos principais pontos levantados por ele e fazer o meu melhor para responder com inteligência. Deixe-me fazer um pequeno prefácio: Eu entendo que isso tudo poder ser apenas semântica. Nós estamos falando de uma classificação que é em última análise, subjetiva. Meu terror é o suspense dele – ok, eu entendo – mas por que? Eu penso que isso chega à alguma coisa mais profunda e mais depressivamente presente na população geral do que gostaríamos de acreditar. Eu acredito que isso é uma discussão importante, não apenas como fãs do terror, mas como emissários representando nosso gênero favorito.
Aqui estão os pontos levantados por ele:
- Filmes de terror são feitos unicamente com o propósito de aterrorizar a audiência. Eles são puro entretenimento, sem nada abaixo da superfície.
Este talvez seja o X do problema: já reparou que quando um filme recebe uma indicação ao Oscar, magicamente muda de “filme de terror”, para “suspense”?
Casos em questão:
O Silêncio dos Inocentes: Filme de serial killer sobre um maníaco que esfola mulheres e veste a pele delas como roupa, enquanto um psiquiatra canibal ajuda a caçá-lo. Hannibal Lecter é frequentemente listado junto com Freddy Krueger, Frankenstein, e outros slashers famosos como um “monstro do cinema”. E ainda assim isso não é um filme de terror, é um “Suspense, crime, drama”.
O Sexto Sentido: Um garotinho que consegue ver os espíritos dos mortos é constantemente atormentado enquanto um psiquiatra assombrado por uma tentativa de assassinato tenta ajudá-lo à colocar os espíritos para descansar. Outra vez, não é um filme de terror… é um “Suspense, drama sobrenatural.”
Louca Obsessão: Adaptação de um livro de Stephen King sobre uma mulher obcecada que sequestra e tortura brutalmente um homem inocente. Deve ser terror… não, é um “Suspense”.
Tubarão: Um filme de monstro sobre um tubarão gigante assassino que mata crianças. Com certeza é um filme de terror… não não, é descrito como um “suspense e filme de aventura”. Um filme de aventura!
A lista continua. Mas como isso acontece? Como é que pessoas tão espertas, que claramente tendem a ter um bom gosto para filmes, continuam rotulando erroneamente grandes filmes de terror? Com a exceção de O Exorcista – que até a Academia teve que admitir ser terror – o problema é geral.
Talvez seja por que um verdadeiro cinéfilo se recusa a admitir ser afetado por algo tão básico quanto um filme de terror. Se um filme os assusta, deve ser por que é algo mais que terror. Tem de ser um suspense. Ou, mais provavelmente, um suspense psicológico. Um que requer o uso do cérebro. Por que não é uma reação animalesca, instintual, automática que assusta – não, você tem que ser esperto para entender o terror real.
Ah, aqui está o problema: “Entender” o terror. Não se deve aplicar lógica ao primal.
- Filmes de terror exibem mortes violentas. Se não houver violência em cena, então por consequência não é um filme de terror.
Mais uma vez, me sinto sitiado pela subjetividade. Se uma árvore cai em uma floresta e não há ninguém por perto para ouvir, ela fará algum barulho? Da mesma forma, se uma pessoa acredita que um filme de terror deve conter mortes violentas, mas não o faz, ainda assim seria um filme de terror?
O que dizer então sobre filmes de terror em que ninguém morre? Poltergeist – O Fenômeno não seria um filme de terror então? E o que dizer sobre Invocação do Mal? Eu argumentaria de que filmes de terror são filmes de terror se eles aterrorizam. Pessoas não tem que morrer, mas eles tem que temer que vão morrer.
- Filmes de terror não transcendem o espaço que os separam de ser um “cinema excelente” por que eles não são belos ou artísticos. Eles são baratos por definição, coisas bobas.
Ele continuou: “Você não vai encontrar uma imagem elegante e impactante em Sexta-Feira 13 como você encontra em O Iluminado. Consequentemente, O Iluminado é um suspense psicológico, enquanto Sexta-Feira 13 é apenas um filme de terror.”
Ok. Então filme de “terror” também não pode ter uma linguagem cinematográfica mais refinada; nada artístico será encontrado. Eu imediatamente pensei em um exemplo: O Massacre da Serra Elétrica. Eu mencionei a última cena do filme, a dança macabra performada pelo Leatherface no pôr-do-sol. Na minha opinião, essa é uma das melhores cenas em todo o cinema. Bem lá em cima com Lawrence da Arábia ou 2001 – Uma Odisseia no Espaço. É bonito, é horripilante, agressivo e perigoso, mas também exultante. É a insanidade encapsulada na tela. Se nada mais, é ao menos impactante.
Ele respondeu dizendo algo do tipo, “Essa é uma cena legal, mas eu não diria que é bonita.” Subjetividade novamente. Como eu poderia argumentar com tal avaliação? Eu não posso provar pra ele que é uma cena bonita, logo, se o critério para ser um filme de terror é se este tem ou não tem beleza, então eu acho que realmente depende dele fazer esse julgamento por conta própria. Mas se o oposto da beleza é a feiúra, então a última não seria arte? Ou não seria tão importante? Talvez seja o filme “feio” seja o pior de todos: entretenimento simplesmente pelo entretenimento.
Mas espere um minuto! Digamos que esses filmes são apenas “entretenimento pelo entretenimento”. Isso é realmente ruim? Seria Fome Animal mais que algo desenvolvimento puramente para entreter? O que dizer de Uma Noite Alucinante? Ou até mesmo Halloween – A Noite do Terror? Claro, pode-se argumentar que Halloween reflete a natureza do mal, mas em última análise, é uma história simples sobre um assassino perseguindo babás. É para entreter. A opus da mutilação de Peter Jackson existe para promover a violência e causar nojo na audiência. Uma Noite Alucinante pode ser puro entretenimento, mas que o diabo me carregue se Bruce Campbell não teve uma das melhores performances de todos os tempos na história do cinema.
:: Suspiro de frustração::
O ponto é: Estes são filmes excelentes. Eles são exemplos de cinema, onde performances, filmagem, direção, iluminação, design de som… tudo se junta para criar um filme efetivo. Então como é que um filme perfeitamente efetivo naquilo que se propõe pode ser menor do que sua contraparte que contem “beleza”, ou que ganha prêmios?
Eu devo chegar a conclusão de que esse escalão da população cinéfila tem que denegrir filmes de terror até certo ponto, pela própria sanidade deles. Eles se veem rindo de um homem coberto de sangue que está literalmente moendo uma horda de zumbis com um cortador de gramas, e então precisam se reassegurar de que são melhores que isso. “Não é belo.” É básico, é baixo, e por consequência não pode ser arte. Tem que ser algo menor. É terror e não suspense.
Eu acredito que exista arte no feio. Eu não gosto de assistir O Maníaco, mas é certamente artístico. É cruel, suado e perturbador. Joe Spinell entrega uma performance brilhante, afetuosa, feia. Ele te faz se sentir imundo. Como isso não é arte?
Então e se o terror te atinge em um nível mais profundo que sua inteligência? E se ele te incomoda em um nível tão primitivo que você não consegue explicar logicamente?
Nós não ficamos incomodados com O Exorcista por causa de seu valor intelectual ou pelo discurso inteligente sobre a natureza da religião. Nós ficamos incomodados por que parte de nós acredita que o diabo existe e ele pode nos pegar e nos arrastar para o inferno e nem nossa mãe poderia nos salvar. Por que deveriamos então declará-lo “psicológico” quando não há nada de psicológico sobre ele? Terror se alimenta dos nossos medos primordiais mais antigos… dizer que ele não é arte por causa disso é como dizer que uma montanha russa não é envolvente por que você não está pensando sobre ela quando se está nela.
Mas talvez rótulos não sejam importantes. Contanto que as pessoas estejam assistindo filmes de terror, quem se importa com o que as pessoas os chamam?
Mas nós devemos nos importar! Filmes de terror podem mudar vidas, especialmente daqueles que não são acostumados com tais coisas. Eu nunca vou esquecer quando levei minha esposa para ver o relançamento em resolução 4K de O Massacre da Serra Elétrica – ela nunca tinha assistido. Quando o filme acabou, e nós estavamos sentados no escuro, em um silêncio pesado… minha esposa olhou para mim e disse, “Eu sabia que seria assustador, mas você não disse também que seria um filme artístico.” Boom! Um filme artístico! Sim! Ele é, ele é!
Ela estava mudada, eu pude ver. Ela havia gostado de um filme de terror – um dos mais intensos, duros e indiscutivelmente “isso é um filme de terror” filmes de terror já feitos – e ela o considerou como uma experiência profunda e afetiva e ela queria ver mais filmes de terror por conta disso.
Nós não devíamos negar ao “terror” seu título simplesmente por que não gostamos de admitir que nos assustamos. Eu acho que é vital que os fãs do gênero defendam seu lugar no panteão das grandes formas de arte. Sempre que escutamos alguém sugerir que um filme de terror não é um filme de terror simplesmente por que é bem feito, nós devemos lutar! Nós devemos negar esse rótulo e espalhar o evangelho negro. Por que mudar a percepção do público é realmente um feito alcançado uma pessoa de cada vez. Apenas olhe o que Sutter Cane foi capaz de fazer com alguns livros assustadores…
É hora do mundo abraçar aquilo que teme amar.
Artigo enviado por Daniel Rodrigues traduzido do editorial escrito por Graham Skipper para o site da Blumhouse.
