The First Omen – “A Primeira Profecia” em livre tradução – como será chamado, se passará antes do icônico filme de 1976 dirigido por Richard Donner, ou seja, sem a presença de Damien Thorn. Antonio Campos, cineasta independente que recentemente dirigiu Christine, a biopic sobre a repórter de TV Christine Chubbuck (nada a ver com o carro assassino de Stephen King) e exibido em Sundance, será o diretor, com roteiro de Ben Jacoby e produção de David Goyer (roteirista de Batman vs Superman – A Origem da Justiça, ouch!) e Kevin Turen.
Fique ligado para outras novidades aqui no 101HM.
David Goyer está envolvido.. pera aí que já volto!
2007 / EUA / 98 min / Direção: Franck Khalfoun / Roteiro: Franck Khalfoun, Alexandre Aja, Grégory Levasseur / Produção: Alexandre Aja, Erik Feig, Grégory Levasseur, Patrick Wachsberger; Greg Copeland, Daniel H. Heffner, Jean Song (Coprodutores); Andrew Matosich, Mimi Tseng (Produtores Associados); David Garrett, Bob Hayward, Alix Taylor (Produtores Executivos) / Elenco: Wes Bentley, Rachel Nichols, Simon Reynolds, Phillip Akin, Stephanie Moore
Causos do 101HM: Era uma tarde de domingo de 2007. Cresci na perifa, em um bairro esquecido por Jeová no meio de um limbo entre São Paulo, Santo André e São Caetano do Sul. Estava de boas na casa da minha mãe quando o meu vizinho da frente, com sua educação quase escandinava, ligou um funk bagaceira no último volume e ficou lá a tarde inteira tocando aquele batidão nervoso ensurdecedor.
Quase chegando às raias da loucura com aquela música infernal, eis que decido pegar meu carro e sair de casa antes de dar uma de Michael Douglas em Um Dia de Fúria e comprar briga com a fuleragem do meu bairro. Fui até o shopping, ao cinema, e lá me deparei com P2 – Sem Saída em cartaz. Foi quando eu lembrei: “SIM, aquele filme produzido por Alexandre Aja e Grégory Levasseur, os franceses responsáveis por Alta Tensão e Viagem Maldita. Claro que vou assistir, não podia ser pior que aquele proibidão que tocava em frente a minha humilde residência”.
E olhe, que grata surpresa, porque P2 é um baita thriller. E com a assinatura de Aja/Levasseur: uma tensão angustiante crescente que quase faz seu coração sair pela boca, violência gráfica (mesmo que comedida com relação aos seus dois longas anteriores) e a nossa protagonista, a Angela da lindíssima Rachel Nichols, sendo banhada de sangue e comendo o pão que o diabo amassou até seu final, e de outrora indefesa vítima, para uma mina que chuta bunda do maníaco psicopata que a persegue em um estacionamento abandonado em uma véspera de natal.
Partidão!
Esse plot simples é o que permeia toda a metragem do filme, história de Aja e Levasseur e roteiro de ambos e de Franck Khalfoun (mas com uma mão pesada de Aja segurando essa câmera com toda certeza, naipe a dinâmica Tobe Hooper e Steven Spielberg em Poltergeist). Todo centrado em dois personagens, uma situação claustrofóbica, apenas uma única locação (um prédio e sua garagem, principalmente o tal andar P2) e aquela boa e velha luta pela sobrevivência repleta de adrenalina e angústia, contra um sujeito desequilibrado, vouyeur, e fã de Elvis, vivido por um ótimo Wes Bentley, no auge do seu vício com cocaína.
Fato é quem assistiu Alta Tensão sabe que Aja é um filho da mãe em cenas de suspense com alta, hã, tensão. E criar personagens femininos fortes que vão evoluindo durante o longa. Mas ainda assim, pelo suspense redondo, construção de personagens, um assustador psicopata e a questão da clausura, ou seja, o todo que faz P2 sem um ótimo filme, temos aquela cena do maluco prensando o tiozão da firma que abusou de Angela na festa de final de ano, com um carro contra a parede. PUTA QUE O PARIU, que é de uma violência gritante e com um excelente e verossímil efeito de maquiagem, o cara sendo esmagado e com suas entranhas caindo para fora! Eleva o filme no nível de um “simples suspense”.
E essa parceria Khalfoun na direção + Aja + Levasseur na produção gerou também o fodástico remake de Maníaco, em 2012, com o Elijah Wood no elenco e uma estética em POV absurda, e o diretor também foi o responsável pelo novo Amityville : The Awakening, pela Blumhouse Pictures do Jason Blum, que subiu ao telhado recentemente e deve ser lançado só em 2017.
Bom, a moral da história é: há males, como o vizinho sem noção ouvindo os funk proibidão, que vem para o bem, que é ter fugido para o cinema e assistido P2 – Sem Saída.
Pesadelo em um estacionamento! Pior que do Senfield
2007 / EUA / 91 min / Direção: Robert Rodriguez / Roteiro: Robert Rodriguez / Produção: Elizabeth Avellan, Robert Rodriguez, Quentin Tarantino, Bill Scott, Erica Steinberg (não creditada); Tom Proper (Produtor Associado); Sandra Condito; Bob Weinstein, Harvey Weinstein (Produtores Executivos) / Elenco: Rose McGowan, Freddy Rodriguez, Josh Brolin, Marley Shelton, Jeff Fahey, Michael Biehn, Bruce Willis, Naveen Andrews
Quando Robert Rodriguez e Quentin Tarantino anunciaram Grindhouse láááááá atrás, um filme completamente inspirado nas películas B de drive in que os dois malucos cresceram assistindo e venerando, que geralmente passavam em sessões duplas nos anos 70, foi uma catarse geral para os fãs de terror e dos dois cineastas pop.
Inicialmente, o projeto consistia em um filme de mais de 3h de duração, com a mesma estética grindhouse – emulsão, chuviscado, tons de sépia, coloração desbotando, cigarrette burn, rolos de filme faltando, nudez, violência e gore quase ilimitados – incluindo aí trailers falsos de produções hipotéticas no começo e entre a exibição de Planeta Terror, o segmento de Rodriguez e À Prova de Morte, de Tarantino. Como diretores desses trailers, nomes como Rob Zombie e Eli Roth, e daí surgiu Machete, brincadeira com Danny Trejo, que depois viraria um desnecessário longa com direito até a uma sequência mais desnecessária ainda
Enfim, os irmãos Weinstein então se ligaram que ninguém ficaria com a bunda sentada no cinema vendo um filme de 3h e tudo mais depois das exibições testes, comercialmente seria um fracasso retumbante, e Grindhouse virou dois filmes independentes. Sendo que a sequência de zumbis de Rodriguez definitivamente é superior, e muito, ao filme do Taranta.
Os melhores do Texas
Planeta Terror é deliciosamente divertido! Um verdadeiro escracho com o toque de falta de noção, humor negro e ácido, situações absurdas e um verdadeiro banho de sangue, repleto de referência por metro quadrado ao cinema de terror, aos filmes B, ao sci-fi, a George Romero, crítica velada ao aparelhamento militar do governo Bush (travestido em forma de um canastríssimo, mais do que nunca, Bruce Willis), xistes de cultura pop e do way o life texano do diretor de chapéu.
A verdade é que Planeta Terror foi um lampejo de Rodriguez lá atrás, em 1998, quando dirigia Prova Final, e teve uma epifania, compartilhada com Elijah Wood, que depois se confirmaria verdadeira, de que o cinema zumbi voltaria com tudo. O sujeito visionário foi lá, escreveu 30 páginas de roteiro, empacou na ideia e descartou o texto, recuperando-o apenas quase uma década depois, e finalmente, fazendo o seu filme de mortos-vivos.
A trasheira (mas com orçamento de superprodução e um time invejável de atores) se dá início quando uma milícia formada por ex-combatentes no Afeganistão e que nessa “realidade alternativa” mataram Osama Bin Laden, são infectados por um tipo de gás tóxico que os transformam em zumbis necrosados devoradores de carne humano e durante um entrevero, essa arma química é liberado dando início a boa e velha infestação zumbi.
Nem tão duro de matar assim…
Um grupo de sobreviventes, liderado aí pelo heroico El Wray (Freddy Rodriguez) – que tem a explicação sobre sua pessoa em um rolo faltando de filme e ninguém fica sabendo realmente o que diabos ele é, e isso é deveras sensacional – e pela ex go go dancer que quer se tornar uma comediante de stand up, Cherry Darling (Rose McGowan) – sim, aquela que perde a perna em um acidente e coloca uma metralhadora em seu lugar, HELL YEAH! – precisam sobreviver e matar o máximo das criaturas possíveis, levando seu time para a costa do México e lá construir uma barricada e reconstruir o mundo pós-apocalíptico.
Agora pega só quem também está no elenco da bagaça: Josh Brolin (que está sensacional), Marley Shelton (igualmente sensacional com suas injeções de anestesia), Michael Biehn, Naveen Andrews, Fergie (sim, aquela do Blacked Eye Peas), Tom Savini, e por aí vai. Se todo filme grindhouse fosse assim, hein? E, além disso, os efeitos especiais, leia-se o tanto de nojeira e sangue esguichados, claro que ficaram por conta da KNB EFX Group, de Kurtzman, Nicotero e Berger, os papas do assunto na atualidade. E ah, coloque nessa conta de coisas espetaculares do filme, a trilha sonora, do próprio diretor, inspiradíssima em John Carpenter e mais aqueles petardos da cultura musical que já virou marca registrada em suas películas, assim como as de seu parça queixudo.
Fato é que Planeta Terror é filme para fã nenhum botar defeito! É tipo um combo com tudo que você espera de Rodriguez atualizando um período extremamente fértil do cinema transgressor, exploitation e bagaceira, sempre com um senso de humor e inverossimilhança batendo nas alturas, além da tosqueira, da ficção científica barata e do gore, que é o que a gente gosta de verdade!
2007 / EUA / 86 min / Direção: John Erick Dowdle / Roteiro: John Erick Dowdle / Produção: Drew Dowdle; Mitchel Dumlao, George Michael Kostuch (Produtores Associados); Ward Barnett, Stephen Chobsky, Drew Dowdle, Patrick Lussier, Michael Zoumas / Elenco: Stacy Chbosky, Bem Messmer, Samantha Robson, Ivar Brogger, Lou George, Amy Lyndon, Michael Lawson, Ron Harper
The Poughkeepsie Tapes é um filme que caminha em uma tênue linha entre um interessante e perturbador mockumentary, e uma completa perda de tempo! Sabe aquele tipo de filme que pode apertar, mas não vai acender? Pois é.
Isso porque, pouco antes do BOOM dos falsos documentários e do found footage, o longa do diretor John Erick Dowdle (que depois “despontaria” no gênero com Quarentena, Demônio e Assim na Terra Como no Inferno, todos de qualidade duvidosa), poderia alcançar um nível de interesse bastante peculiar para o subgênero, mas que, até mesmo por falta de ousadia e esbarrar apenas na ideia burocrática de um documentário, à la Investigação Discovery, deixou a desejar como produto final, apesar de alguns bons momentos.
A ideia, de um mockumentary sobre um famigerado e pervertido serial killer, que vive na cidade de Poughkeepsie, localizada no estado de Nova York, que matou homens, mulheres e crianças, desafiou a polícia devido a variação do seu modus operandi, sequestrou e torturou uma garota colegial, e registrou tudo isso em mais de 800 fitas VHS, tem um toque sombrio de veracidade (a estética de um doc noventista, entrevistas com supostos pais de vítimas e agentes do FBI) mas que hoje também não choca mais quem está acostumado a ver esse tipo de programa na TV à cabo.
Cárcere privado
A parte que realmente faria a diferença, em que Dowdle e os envolvidos poderiam de verdade chocar o público e deixa-lo bolados, que são os momentos em que o assassino capta toda sua perversão, seus brutais assassinatos e mais, o cárcere privado e tortura psicológica e física da adolescente Cheryl Dempsey, e coloca nas fitas, é prejudicada por ser comedida, problemas de ritmo, e até mesmo pela estética escolhida da fita de videocassete com seu granulado, ajustes de tracking, escuridão e POV, e tudo mais.
E mais, peca em como algumas são misturadas impactantes e realmente revoltantes, como o tratamento com Dempsey e alguns fetiches loucos do assassino, como garotas estourarem balões sentadas neles e usar uma antiga máscara de médico da renascença e tudo mais, com outras realmente sem sentido e com muita parcimônia e firulas, sem desenvolver de verdade todo o potencial sádico (e recurso dramático) do psicopata.
Agora o final de The Poughkeepsie Tapes, esse sim é de deixar um gosto ruim na boca e a sensação de soco na boca de estômago, sendo completamente desolador. ALERTA DE SPOILER: Pule para o próximo parágrafo ou leia por sua conta e risco. A polícia consegue, depois de anos de investigação, encontrar a residência do assassino (após uma reviravolta sobre sua identidade que também, como todo o filme, interessante e tosca no mesmo nível), aquelas centenas de fitas e Dempsey, que desenvolve Síndrome de Estocolmo no nível hard, desnutrida, sem uma das mãos que foi cortada pelo assassino (a cena em que ela coça o rosto é de uma carga dramática e choque fudidos) e que se suicida pouco depois a gravação de sua entrevista para o falso doc.
O problema é aquele velho defeito dos mockumentary/ found forage: muita barriga, muito material desperdiçado, dramaturgia de segundo escalão e momentos bem entediantes, principalmente no que se refere a edição de entrevistas e depoimentos. Mas ainda assim, The Poughkeepsie Tapes consegue fugir um pouco do convencional e se destacar no mar do subgênero, ainda mais por ver todo o esforço de cineastas independentes e dos irmãos Dowdle em desenvolver um filme com baixíssimo orçamento e uma série de diversas dificuldades em exibição e distribuição.
2007 / EUA / 93 min / Direção: Michael Katleman / Roteiro: John Brancato, Michael Ferris / Produção: Gavin Polone; David Wicht (Produtor Associado); Mitch Engel, Jamie Tarses (Produtores Executivos) / Elenco: Dominic Purcell, Brooke Langton, Orlando Jones, Jürgen Pronchnow, Gideon Emery, Gabriel Malema
De todos os filmes de crocodilos lançados em 2007 (sim, foram nada menos que TRÊS eco-horror com o réptil assassino), Primitivo, de longe, é o pior. Enquanto tivemos duas produções australianas sobre o tema – Medo Profundo e Morte Súbita – vistas por dois ângulos completamente diferentes, aqui acontece todo o exagero possível e imaginável de um filmão de estúdio e absolutamente todos os defeitos que vem junto com ele.
Crocodilo anabolizado feito completamente de CGI, um longa mais preocupado com cenas espetaculosas de ação, tiro, porrada e bomba do que o terror e suspense, e gente, um elenco liderado por uma picaretíssimo Dominic Purcell bombado com sua camisa sempre com três botões abertos, e que detalhe, é um JORNALISTA – eu nunca em todo meus anos no meio do jornalismo e da comunicação vi qualquer tipo de jornalista que se parecesse minimamente com ele – não dá né? Não tem absolutamente como nada bom sair daí.
Mas para dizer que não é uma completa porcaria, pelo menos há como pano de fundo um contexto sócio-político de uma guerra civil tribal em um país africano, todo tipo de mazela e crueldade das ditaduras locais e aquela boa e velha crítica ao governo Bush velada, mas ooooooh, nada que também leve a qualquer profundidade e reflexão.
Se correr o bicho pega!
O JORNALISTA Tim Manfrey (Purcell) depois de fazer uma cagada em uma reportagem, é enviado junto com uma produtora, Aviva Masters (Brooke Langton) e o seu cameraman, Steven Johnson (Orlando Jones) para o Burundi, para uma reportagem sobre um gigantesco crocodilo chamado Gustave, que vem fazendo uma série de vítimas nas margens do Rio Riuzizi, e atacou recentemente um grupo das Nações Unidas.
Só que o local está no meio de uma guerra civil (#TeamCap!) entre a tribo Tutsi-Hutu, liderada pela mão de ferro do terrível ditador “Pequeno Gustave”. Nossos intrépidos repórteres, mais cientistas e uma equipe que tentará captura-lo, terão de sobreviver da troca de tiros e massacre promovidos pelo homem, e daquele terrível réptil pré-histórico exageradíssimo feito em computação gráfica, com um tamanho, velocidades e força descomunal, completamente absurdas, só para dar aquele ritmo de filme de ação (tosco) e cenas de videoclipe durante o ataque do crocodilo.
O filme é o típico enlatado de Hollywood, com roteiro pobre e previsível, atuações risíveis, conflitos de personagens nada convincentes, Dominic Purcell JORNALISTA, direção burocrática, e pelo menos uma bela fotografia, afinal, convenhamos, estamos falando de um cenário fabuloso na África. Agora a história real a qual ele é exageradamente baseada, é SENSACIONAL.
Que boca grande você tem…
MOMENTO NATIONAL GEOGRAPHIC: Gustave é um crocodilo-do-nilo de verdade, notório devorador de homens, com rumores de já ter matado mais de 300 pessoas, e até considerado uma deidade por aquelas bandas, temido por toda a região. Ele foi descoberto no final da década de 90 por um herptólogo e desde então, diversas tentativas frustradas de sua captura já foram realizadas (inclusive em Primitvo, uma dessas tentativas é retratada, quando um bode é usado como isca).
Como nunca foi capturado, estima-se que Gustave tenha de 6 a 7,5 metros de comprimento, e provavelmente mais de 60 anos de idade (alguns cravam mais de 100 anos, mas algo desmentido e sem acurácia, pois em uma das filmagens fora captada que sua dentição era completa, algo não condizente a um animal centenário, e que pasmem, ele ainda está crescendo), segundo o documentário Capturing the Killer Croc. Seu último avistamento foi em 2008, e seu paradeiro atual é desconhecido (inserir música de suspense).
Ou seja, o tal do Gustavão na vida real, é muito mais assustador do que qualquer frame do crocodilo computadorizado de Primitivo. O que dá medo MESMO é a interpretação de Dominic Purcell de JORNALISTA.
2007 / EUA / 114 min / Direção: Quentin Tarantino / Roteiro: Quentin Tarantino / Produção: Elizabeth Avellan, Robert Rodriguez, Erica Steinberg, Quentin Tarantino; Pilar Savone (Produtora Associada); Shannon McIntosh, Bob Weinstein, Harvey Weinstein (Produtores Executivos) / Elenco: Kurt Russell, Zoë Bell, Rosario Dawson, Vanessa Ferlito, Sydney Tamiia Portier, Tracie Thorns, Rose McGowan, Jordan Ladd, Mary Elizabeth Winstead
Quentin Tarantino fazendo o Russ Meyer. Essa é a melhor definição para À Prova de Morte, suposta segunda metade do projeto Grindhouse, onde ele e seu parça tex-mex Robert Rodriguez desenvolveram dois filmes com a estética de pagada dos filmes B e expolitation, famosos nos cinemas de drive in e sessões duplas dos anos 70 nos EUA.
Dirigido e escrito pelo queixudo, À Prova de Morte é mais uma daquelas típicas experiências cinematográficas tarantinescas, com todo o aparato já largamente conhecido que o diretor usa e abusa em seus longas – sua marca registrada – com um mix de referências de tudo que o influenciou, principalmente nesse período prolífico do cinema alternativo de gênero americano, criando alguns daqueles momentos, personagens e claro, trilha sonora, icônicos para os cinéfilos.
Afinal aí, quem não paga um pau para o personagem Stuntman Mike, o dublê-piloto psicopata de Kurt Russell que assassina jovens mulheres em acidentes de carro premeditados com sua caranga infernal? E vai, quem mais aí não paga um PUTA PAU para o lap dance da Arlene de Vanessa Ferlito ao som de “Down in Mexico” da banda The Coasters?
Aliás, falando exatamente nisso, À Prova de Morte é dividido em duas partes, sendo que sua primeira metade é em ordem de grandeza, superior a segunda, o que fatalmente já dá uma baita quebra de ritmo no longa, ainda mais que sabemos o quanto Taranta gosta de uma boa prosa e enche de cenas de diálogos, que são quase metralhadoras giratórias sobre cultura pop, em seus filmes.
Girls night out
Nesse primeiro segmento somos apresentados ao ameaçador Mike – Russell ótimo, como de costume – e a um grupo de garotas que só querem se divertir, tomar umas bebidas no bar e pegar alguns boys, formado pela DJ Jungle Julia (Sydney Tamiia Portier), Arlene (Ferlito) e Shanna (Jordan Ladd). O dublê-piloto dá carona para uma outra moça no bar, Pam (Rose McGowan) e se vangloria de seu carro todo modificado ser 100% à prova de morte, construído para as cenas de acidente e perseguição nos filmes. Só que isso apenas para quem está sentado do lado do motorista!
O lunático então encena uma acidente em que mata sua caronista e depois choca seu carro a toda velocidade com as moças, em uma cena absurdamente sensacional, repetida três vezes para mostrar a carnificina e o impacto da batida de três ângulos diferentes, auxiliado pela sempre campeã maquiagem e efeitos especiais da KNB EFX Group. A polícia se vê incapaz de condenar Mike pelos crimes, uma vez que não há provas de que foi um acidente com intenção de dolo, até porque as moçoilas estavam sob o efeito do álcool e drogas, e assim, ele é liberado, só para 14 meses depois no segundo segmento, ir atrás de um novo grupo de mulheres, só que dessa vez, nada indefesas.
É exatamente nessa parte que Tarantino faz o Meyer, o famoso diretor independente e transgressor, e homenageia/ se apropria de forma rasgada – como de praxe na sua filmografia onde ainda é considerado por todos os descolados em cinema como criativo, original e gênio – do cultFaster Pussycat, Kill, Kill, sem dúvida um dos longas mais feministas e girl power de toda a história do cinema. E as perseguidas da vez serão Abernathy (Rosario Dawson), Lee (Mary Elizabeth Winstead – LINDÍSSIMA QUE DÁ VONTADE DE PEDIR EM CASAMENTO E OFERECER TUDO QUE ELA QUEIRA NESSE MUNDO E MAIS UM POUCO), e as dublês Kim (Tracie Thorns) e Zoë (Zoë Bell), a quem elas vão buscar no aeroporto, vindo da Nova Zelândia, sem saberem que estão sendo seguidas pelo maníaco.
Não sei o que dizer, só sentir…
A vinda da moça aos States foi por conta de um anúncio de venda de um Dodge Challenger R/T 1970 branco – ela é viciada nos muscle cars de Detroit – veículo que tem o sonho de dirigir por conta do road movie clássico Corrida Contra o Destino, de 71. Ela consegue engambelar o dono do carro para um passeio com o possante automóvel emprestado, usando a gracinha da Lee como moeda de troca, com Zoë fazendo acrobacias sobre o capô e se divertindo a valer dirigindo no deserto, quando Mike aparece colocando-as em perigo e tentando mata-las.
Mas como sexo frágil é o cacete, as moças decidem revidar e apavoram o misógino, que enquanto na primeira metade se mostra um frio e calculista psicopata, de repente, vira um bundão que fica choramingando e tomando um coro, o que destoa completamente na construção do vilão, apesar da intenção ser bem essa, de enaltecer o poderio e empoderamento feminino, o que está certíssimo, mesmo com tamanha disruptura do personagem.
O problema é que À Prova de Morte, diferente de sua contraparte de Grindhouse,Planeta Terror, é bem inferior, mesmo com todo tom de homenagem e paródia, mostrando-se um filme, que apesar de todas as qualidade inerentes a um longa do Taranta, tem um resultado irregular e um ritmo deficitário e recheado de barriga (ele teria meia hora a menos se lançado em uma sessão dupla com Planeta, talvez mais aceitável), se perdendo principalmente na sua segunda metade, entre um diálogo afiado ou música esperta na trilha sonora.
À Prova de Morte faltou o arroubo de violência, do trash e da inspiração que foram vistos na concepção de zumbis de Rodriguez, e lançado sozinho como feito, chega até a ser um filme bem menor da filmografia de Tarantino, mas que mesmo assim vale a diversão.
2007 / Espanha / 78 min / Direção: Jaume Balagueró, Paco Plaza / Roteiro: Jaume Balagueró, Paco Plaza, Luis Berdejo / Produção: Alberto Marino (Co-Produtor), Carlos Fernández, Julio Fernández (Produtores Executivos) / Elenco: Manuela Velasco, Ferran Terraza, Pablo Rosso, David Vert
REC é o melhor filme de terror da década passada. Sem discussão.
A produção espanhola dirigida pela dupla Jaume Balagueró e Paco Plaza (responsáveis por alguns interessantes trabalhos anteriores em separado, como A Sétima Vítima, Medo em Cherry Falls e Romasanta – A Casa da Besta) dá um novo gás aos filmes de zumbi (apesar de tecnicamente ele não se tratar de zumbis) e faz parte daquela primeira leva dos found footages do final dos anos 2000, antes da massificação e banalização. É um filme original, assustador, gore e que te deixa com a adrenalina à mil, sabendo mesclar muito bem os momentos de carnificina, de tensão e de medo extremo.
Angela Vidal é uma repórter gracinha que apresenta um programa chamado Enquanto Você Dorme. Ela e Pablo, seu cinegrafista, resolvem acompanhar uma noite na vida do Corpo de Bombeiros de Barcelona, filmando toda sua rotina para o programa, uma espécia de Comando da Madrugada por lá (nossa, lembram desse???). Então REC é todo filmado do ponto de vista do cinegrafista, com ângulos fechados, câmera tremida e o maior número de tomadas em plano sequência possíveis.
Paúra!!!!!!!
Tudo está caindo em uma monotonia danada no quartel e absolutamente nada acontece. O caldo todo entorna quando os bombeiros são acionados para resagatar uma velha senhora trancada em um apartamento de um antigo prédio no centro da cidade. Angela e Pablo, junto dos bombeiros Manu e Alex, vão até o local e encontram os moradores em pânico, reunidos no saguão. Junto de mais dois policiais, ao arrombar o apartamento da senhora, que está ensanguentada, toda desgranhenta e vestida só com uma camisola, descobrem que ela é vítima de um poderoso surto de raiva psicótica ao receber um dos policiais à dentadas e arrancar um naco de carne de seu pescoço. Pronto, daí o clima geral de histeria, descontrole e medo espalha-se pelo prédio.
Sob as ordens da repórter de nunca parar de gravar, somos testemunhas oculares, através das lentes da câmera de Pablo, de todo o horror que vai se desenvolver naquele prédio, já que a polícia e o departamento de saúde colocam o local em quarentena e todos ficam confinados ali dentro sem a menor ideia do que está acontecendo e sem receber nenhum tipo de informação, o que vai aumentando o clima de paranoia, angustia e preconceito dos ali presentes. Daí para a infecção se espalhar é um pulo, já que é transmitida através da saliva e o passatempo preferido dos infectados é morder as suas vítimas.
Depois do ataque da velha o filme vira uma montanha-russa de sustos, selvageria e sangue e tudo isso em um ritmo frenético gravado com uma câmera na mão, com a ajuda de enquadramentos fantásticos, edição de som primorosa com gritos, ruídos eletrônicos e barulhos e excelente maquiagem dos infectados, tudo de primeira, muito bem realizado pela dupla de diretores. E diferente do conceito clássico de zumbis, aqui eles lembram muito mais Extermínio de Danny Boyle, onde um surto de raiva criado através da mutação de um vírus, foge de controle e transforma as pessoas em semi-humanos histericamente incontroláveis. Só que a grande diferença de REC é que nos momentos finais do filme que vem a cereja do bolo.
Eita, veia sinistra
ALERTA DE SPOILER: Se você não assistiu ao filme, pule para o parágrafo final. E não aconselho ler por sua conta e risco dessa vez. Assista AGORA e depois volte para terminar o texto. Quando você vai pensando que todo o motivo daquela praga era químico ou biológico, é que uma explicação religiosa, mesmo que cifrada, vem à tona. Lembrem-se que estamos na Espanha, um país altamente católico. Desesperados e perseguidos por todos do prédio que viraram zumbis, Angela e Pablo se trancam no apartamento da cobertura, e descobrem que uma espécie de padre cientista morava ali e estava praticando experiências bizarras com uma garota portuguesa supostamente possuída pelo demônio, conhecida como menina Medeiros. Porém é óbvio que a experiência deu errado e se espalhou.
Mas o detalhe é que a menina ainda está ali naquele prédio, e a cena que se segue é uma das mais angustiantes e aterradoras do cinema de horror recente. A luz do prédio foi cortada e da câmera destruída, então com a visão noturna nós vemos aparência da menina Medeiros, já crescida, qué é mega esquelética e horrenda (na verdade ela foi interpretada por um homem, Javier Botet). Sério é de pular da poltrona e roer todas as unhas dos dedos.
O filme é um tiro curto (tem apenas 78 minutos), que te prende do começo até o fim. Você quase não consegue piscar e sequer respirar. E a sequência final é estarrecedora, proibida para cardíacos. Assistir REC nos cinemas, mesmo que com mais de um ano de atraso de seu lançamento, foi uma das experiências mais emocionantes que tive na vida. A preguiça americana gerou um dispensável remake chamado Quarentena, que é um cópia cuspida e escarrada, só que sem o mesmo impacto e sem as conotações religiosas de seu irmão gêmeo espanhol, contentando-se em ser medíocre. Gerou uma franquia, composta pelo também decentíssimo REC 2 – Possuídos e mais duas continuações, uma prequela, REC 3 – Gênese, que muda totalmente o foco dos dois primeiros filmes e escamba para a comédia, ao melhor gênero splatstick e REC 4 – Apocalipse, cada um dirigido por um dos diretores.
O maior problema de O Retorno da Maldição – A Mãe das Lágrimas, é que – além de ser uma porcaria, claro, mas isso é incontestável e intrínseco – ele é completamente deslocado no tempo, parecendo que você está vendo um filme ruim da década de 80, com o mesmo calibre de trasheira, em pleno 2007.
Se Argento tivesse lançado logo após Suspiria e A Mansão do Inferno, que era sua intenção original, ele talvez fosse um filme melhor e não essa bomba repleta de altos e baixos e com uma baita sensação de deslocamento, que fomos obrigados a engolir vinte sete anos depois do segundo filme da trilogia das mães ganhar vida.
Nessa altura do campeonato, Argento já se tornara um diretor decadente (mas nada que não pudesse piorar com os vindouros Giallo – Reféns do Medo e Drácula 3D, mas não vem ao caso) e em O Retorno da Maldição (aliás, quem deu esse título ridículo, que poderia ter ficado apenas com o subtítulo “A Mãe das Lágrimas” ou “A Terceira Mãe”, tradução literal?), com um baixo orçamento, sem estrutura, tempo e com a mão perdida há tempos, o resultado não poderia ser diferente.
Todo aquele ar do gótico + barroco italiano, só que sem um pingo da beleza estética de Suspiria (que é uma obra-prima, então não dá para ficar comparando muito) ou do misé-en-scene e da ferocidade de A Mansão do Inferno, com dedinho de Mario Bava na direção, não se faz presente aqui, e toda a atualização do longa, mesmo querendo pegar carona no medieval e fantástico, simplesmente não consegue entrar no tom, com um roteiro dos mais clichês e bobos, e tentando se compensar com o gore e a ultraviolência, que também aqui no final da primeira década do século XXI, nem consegue mais causar impacto, ainda mais perto do expoente do cinema do país vizinho de cima, a França.
Eita, que eu quero venerar essa bruxa também!
A história começa em escavações no terreno de uma antiga igreja em Roma, onde em uma urna de pedra é encontrada com um artefato místico em seu interior, mandando para o Museu de Arte Antiga. Lá, Sara, interpretada por Asia Argento (não vou de novo fazer a piada de que ela é a melhor criação do diretor) deixa cair uma gota de sangue nos objetos da urna, ao mesmo tempo que a outra especialista começa a ler as antigas inscrições em latim, trazendo a vida uma horda de demônios, um MACACO possuído assassino (JURO!) e a tal da terceira mãe, a Mãe das Lágrimas, ou Mater Lachrymarum, a mais poderosas de todas as bruxas ancestrais, já representadas pela Mater Suspiraraum e a Madre Tenebrarum nos filmes anteriores.
Bom, uma reação em cadeia se dá por toda Roma, e de repente, uma série de surtos psicóticos começam a tomar conta das pessoas, em cenas tosquíssimas de levante e violência coletiva, que nem de longe passam o sentido de urgência que elas deveriam, preparando o terreno para a volta da Bruxa a fim de colocar a humanidade em uma era de trevas, só podendo ser impedida por Sara, que vai seguindo os conselhos de sua mãe morta, uma vez que ela começa a aparecer em projeções astrais que nem vou me dar ao trabalho de esculhambar, vivida por sua mãe na vida real, Daria Nicolodi.
As atuações, para variar, são aquelas esperadas do cinema de terror italiano, o roteiro e os diálogos dos mais bisonhos, o final medíocre, a direção de Argento, principalmente na questão estética e recursos visuais e técnicos, não é a mesma, mas, pelo menos para os fãs, com certeza O Retorno da Maldição não desaponta nem nas conexões com os filmes anteriores da trilogia, nem na sangreira desvairada, violência gráfica sem o menor pudor (na primeira morte, a moça é esfaqueada repetidas vezes e depois enforcada com suas próprias tripas, só para se ter noção), nudez (afinal a tal da Mãe das Lágrimas vive peladinha, com um corpão escultural), a boa e velha trilha sonora progressiva de Claudio Simonetti, parceiro de longa data de Argento, com sua banda Goblin e os efeitos especiais de Sergio Stivaletti, outro colaborador frequente do diretor.
É uma pena, que O Retorno da Maldição – A Mãe das Lágrimas, finaliza uma das mais importantes trilogias do cinema italiano de terror de forma tão deprimente e tão fora de contexto e de necessidade, muito longe do auge da forma de Argento.
2007 / EUA / 103 min / Direção: David Bruckner, Jacob Gentry, Dan Bush / Roteiro: David Bruckner, Jacob Gentry, Dan Bush / Produção: Jacob Gentry, Alexander Motlagh; David C. Ballard, Pete Ballard, Hilton Garrett, Morris Ruskin (Produção Executivo) / Elenco: Anessa Ramsey, Sahr Ngaujah, AJ Bowen, Matthew Stanton, Suehyla El-Attar, Justin Welborn, Cheri Christian
O indieO Sinal, um tanto obscuro e pouquíssimo conhecido do grande público, talvez fazendo uma análise hoje, quase 10 anos depois de seu lançamento, parece ser uma espécie de protogênese do movimento mumblegore e o pontapé inicial do processo criativo dos novos diretores que hoje fomentam o que há de maior frescor no cinema de terror atual.
E mais, essa antologia em três histórias sobre um misterioso sinal emitido por aparelhos eletrônicos, como televisão, rádio e celular, que causa um surto psicótico e transforma pessoas em assassinos – Cronenberg manda abraço – pode também ser uma espécie de pré-V/H/S/, um dos mais importantes filmes de terror dessa nova década.
Até porque, outro dado interessante é que um dos segmentos é escrito e dirigido por David Bruckner, um dos diretores, roteiristas, produtores e idealizadores de V/H/S/ (responsável pelo fodástico primeiro conto da antologia, “Amateur Night”) e do recente Southbound. Pelo jeito os filmes portmeanteau são a pegada do cara.
Mas voltando a O Sinal, ele tem toda aquela pegada do mumblegore e as características do cinema indie de terror americano que vem sendo desenvolvido da metade do século para cá – por nomes como o próprio Bruckner, Ti West, Adam Wingard, Simon Barrett, e por aí vai – e o mais interessante é ele ser dividido em três partes interligadas, contadas por meio do ponto de vista dos três personagens principais, que formam um triângulo amoroso, dirigido por um diretor distinto, e cada um com ênfase em um determinado subgênero.
Armados e perigosos
O primeiro deles, “Crazy Love”, após uma a sequência de abertura, retirada do curta “The Hap Hapgood Story”, vencedor do 48-Hour film festival e dirigido por Jacob Entry – um dos codiretores – é de Bruckner, onde somos apresentados a Mya (Anessa Ramsey) – personagem principal desse segmento – e Jerry (Matthew Stanton), um casal de amantes, que vive aquele dilema de fugir juntos enquanto, já que Mya é casada com Lewis (AJ Bowen). A moça volta para casa tarde da noite, quando o sujeito está com os amigos assistindo uma partida de beisebol na televisão, que já saca que está sendo chifrado. Então começa aquela estranha transmissão que vão transformá-los em assassinos psicopatas e estourar a hecatombe dos “infectados” que passarão a agir com raiva e selvageria.
As duas sequências seguinte, que apesar de uma narrativa não linear de idas e vindas, seguem o desenrolar dessa história, focada em cada um dos personagens. “The Jealous Monster” é dirigido e escrito por Gentry, e sem dúvida é o grande momento de O Sinal. Enquanto o primeiro tem uma pegada mais de horror visceral, esse aqui é uma comédia de horror recheada de humor negro, que tem Jerry como protagonista, e é deliciosamente divertida – e sangrenta e violenta ao mesmo tempo, mas com um exagero cômico proposital.
Já “Escape”, com roteiro e direção de Dan Bush, finaliza a história quando Jerry tenta resgatar Mya após aquele surto de raiva estourar e deixar as pessoas violentas e tendo alucinações e devaneios, e sem dúvida é o menos interessantes dos três, uma história de amor apocalíptica, mas que reserva um final bem pessimista e nada bonito.
Já de praxe em antologias, o resultado final de O Sinal é irregular, perdendo força em seu final, mas que começa bem promissor e acerta completamente na mão no segundo, mas que vale a pena até mesmo pelo exagero caricato sui generis e principalmente para nos ajudar a traçar um tipo de ponto de partida das primeiras efervescências dos jovens diretores americanos do gênero.
2007 / EUA / 85 min / Direção: Nimród Antal / Roteiro: Mark L. Smith / Produção: Hal Lieberman; Stacy Cramer, Glenn S. Gainor, Brian Paschal (Produtores Executivos) / Elenco: Kate Becksinsale, Luke Wilson, Frank Whaley, Ethan Embry, Scott Anderson, Mark Casella, David Doty
Suspense bem legal e frenético esse Temos Vagas, viu. Quando assisti da primeira vez, lembro que não dava lá muita coisa, mas foi uma surpresa bem agradável. Claro, não traz nada de novo ao front, é bastante clichê e previsível, tem seus pontos positivos e negativos, mas os últimos não atrapalham o resultado final.
Essa mistura de thriller, slasher e homenagem a Alfred Hitchcock (vamos lembrar que ele se passa em um motel falido de beira de estrada e aquela abertura parece muitíssimo uma atualização das artes de sequência de Saul Bass, principalmente remetendo muito a uma versão moderna de Psicose), dirigida por Nimród Antal (que mais tarde desperdiçaria uma bela chance em Predadores, que ferrou sua carreira) acerta principalmente em ser um suspense/ drama adulto, trazendo dois personagens bem no meio da separação, dando um denso ar de melancolia que se arrasta até eles descobrirem o verdadeiro perigo que os cerca.
Amy e David (respectivamente os dois bons e carismáticos atores, Kate Backinsale e Luke Wilson) acabaram de se separar, após o relacionamento dos dois não darem certo e passarem a se detestar, depois da morte do filho do casal – o que já gera um baita desconforto e clima pesado para o espectador, principalmente para quem já viveu pés de guerras nas retas finais de relacionamento – e estão voltando da comemoração de bodas dos pais da moça, sem ter contado a eles do litígio conjugal.
Coleção do audiovisual
No meio da estrada deserta à noite, enquanto Amy dormia, David resolve pegar um atalho e desvia de um guaxinim na estrada. O carro fica levemente avariado, e depois de rodar por muitos quilômetros, trocando farpas, cansados e estressados, avistam um posto de gasolina, na esperança de que alguém possa dar uma olhada no metrô e lhes ajudem a encontrar a cidade de destino, mas que encontra-se fechado.
Um inicialmente solicito sujeito surge e ajuda a arrumar o carro, indica o caminho para o casal, que parte feliz até que 3km na frente o veículo para de funcionar. Tudo aí beeeem do clichê. Voltando ao posto de gasolina/ garagem fechado, eles encontram um motel caindo as pedaços em frente, e por ser tarde da madrugada, resolvem se hospedar por ali até a manhã seguinte. Detalhe que ao chegarem, o gerente, Mason (Frank Whaley, ótimo) está assistindo um filme no escritório aos fundos de onde vem gritos bizarros e altíssimos, e age de forma completamente suspeita e estranha.
Bom, não demora a perceber que a vida dos dois corre muito perigo quando David começa a assistir umas fitas deixadas naquela pocilga, contendo algo que parece ser filmes snuff gravados dentro do quarto, com hóspedes sendo agredidos e torturados enquanto são filmados. Logo, precisarão lutar por suas vidas e tentar sobreviver aquela noite infernal, perseguidos pelos sádicos malfeitores que vendem as fitas no mercado negro.
Jânio Quadros, gerente de motel
O grande problema de Temos Vagas é que essa parte que cabe ao latifúndio dos snuff é muito dos fraquinhos, repleto de cenas editadas e off screen, sem nenhum impacto, tirando os gritos ensurdecedores de dor e desespero, em tempos em que o torture porn comandava e o new french extremity pegava pesado a beça.
Mas em compensação essa higienização e falta de violência gráfica explícita – que não se trata de uma demérito, afinal – dá um tom mais sério, adulto e menos apelativo ao thriller, que não irá se dobrar fácil aos fãs sedentos por sangue, preferindo focar, além do drama do casal que passa todo o ciclo do ódio mútuo ao perdão, na escalada de suspense e tensão que não abandona o longa desde a descoberta das fitas, picos de adrenalina na tentativa de sobrevivência e mantém sua regularidade até chegar a um final chavão, porém aceitável.
Temos Vagas não corre muitos riscos, entrega um suspense correto, que satisfaz e funciona, prendendo a atenção do espectador. E isso por si só já é o suficiente.
2008 / Brasil / 87 min / Direção: Tiago Belotti / Roteiro: Tiago Belotti, Mikael Bissoni / Produção: Hermes Barreto, Fernanda Duarte, Rodrigo Luiz Martins, Éverton Rosa / Elenco: Pablo Peixoto, Laura Moreira, Gustavo Serrate, Yan Klier, Jean Carlo, Luísa Viotti
O divertidíssimo brazuca A Capital dos Mortos de Tiago Belotti é uma ode à trasheira nacional em todos os sentidos possíveis e imagináveis. É escracho e tosquice naquele nível que supera todas as expectativas dos fãs.
Desde o início já se percebe, tanto pela qualidade quanto pelo caminho camp que o filme envereda, que ele não se leva a sério – e não se preocupa com isso em nenhum momento. Aquele típico resultado de uma produção concebida numa mesa de boteco, lotada de referências e clichês propositais, atuações amadora, situações ridículas, tão típicas do terror e principalmente do subgênero zumbi, orçamento limitadíssimo, mas o que mais importa, feito com paixão e bravura.
Belotti dirige e escreve o longa (ao lado de Mikael Bissoni), que lá no longínquo ano de 2008, figurava no início de gestação desse “cinema de retomada” do horror nacional que encontramos hoje em uma patamar cada vez mais interessante e evoluído. Misturar Brasília com zumbis e com típicas situações nacionais, apesar dos parcos recursos, foi a boa sacada do time de criadores.
Vamos saquear Brasília!
Na trama, em 1883, o padre italiano Dom Bosco teve uma profecia à lá Nostradamus: os seres humanos têm sessenta anos após sua morte para se redimir de todas as merdas que vem fazendo, caso contrário, no início da terceira geração, uma grande praga – que teria início em Brasília, epicentro desse apocalipse, vai vendo – condenaria a humanidade ao juízo final por meio de uma hecatombe zumbi. E batata que isso acontece!
Claro que os efeitos especiais são de baixo nível, assim como toda a produção, atuação, maquiagem, e o que valha. Mas os personagens são os mais espirituosos possíveis, assim como os diálogos improváveis! Pense que logo no começo, dois deles estão jogando xadrez e depois Winning Eleven em um PS2 (sdds Brazukas) e tendo nossas versões tupiniquins de diálogos à la Quentin Tarantino, mas decidindo quem é melhor, o Chico Bento ou o Cascão. Genial!
Os personagens vivem, propositadamente, se metendo em todo tipo de clichê, desde a eterna dúvida se deve ficar em casa ou tentar fugir, parafraseando filmes do subgênero, até coisas ridículas, como ir sozinho em um supermercado, só para sacanear esses expedientes batidos. Tem até um sujeito chamado Tio (Jean Carlo), que ninguém sabe o nome verdadeiro, que é o maluco cheio das armas e que diz a lenda que trabalhava no Bope (vale lembrar que aqueles eram tempos em que Tropa de Elite conquistava o público brasileiro).
Dom Bosco: especialista em profecias e vinhos
Aliás, como bom filme de zumbi que se preze, seguindo a escola George Romero, obviamente o maior homenageado da fita (desde pôsteres de Despertar dos Mortos colados na parede até a hipótese de que os mortos voltaram à vida por não houver mais espaço no inferno) há nas entrelinhas uma crítica social, e principalmente política, com zumbis invadindo o DF e os plantões noticiosos sobre o assunto.
Aliás, A Capital dos Mortos, visto novamente depois de todos esses anos, descontando o trash no mais alto nível e o típico dedo mambembe do cinema nacional, em um momento como esse, em que de fato, parece que os zumbi nefastos – metaforicamente falando – chegaram finalmente mesmo ao Planalto Central e o infestou, parece ter um tom profético, como de Dom Bosco, e conotação política ainda mais forte do que nunca. Até o próprio Zé do Caixão faz uma micro ponta, afinal, estamos falando do cinema nacional, rogando uma praga na cidade, igualmente profética.
A ideia original de A Capital dos Mortos era que se transformasse em uma trilogia. O segundo filme foi lançado no ano passado, inclusive exibido aqui em São Paulo no Festival Boca do Inferno em novembro, com direito a participação do produtor Rodrigo Luiz Martins, falando sobre a dificuldade da produção de ambos os filmes, a demora no lançamento do segundo longa – ainda mais em tempos de The Walking Dead, que elevou o nível do zumbi na cultura pop – e que provavelmente esse terceiro longa não saia tão cedo. Uma pena!
2008 / EUA / 80 min / Direção: Matt Reeves / Roteiro: Drew Goddard / Produção: J.J. Abrams, Bryan Burk; David Baronoff (Produtor Associado); Sherryl Clark, Guy Riedel (Produtores Executivos) / Elenco: Lizzy Caplan, Jessica Lucas, T.J. Miller, Michael Stahl-David, Odette Annabele, Mike Vogel
O primeiro Transformers de Michael Bay chegava aos cinemas em 2007, quando antes da exibição do filme, um teaser de menos de um minuto com o arremesso da cabeça arrancada da estátua da liberdade, e créditos de uma produção de J.J. Abrams, tomava o mundo do entretenimento cinematográfico de assalto.
Quase 10 anos depois e uma picareta sequência/ spin off/ apropriação indébita de nome/ whatever chamada Rua Cloverfield 10, o found footage que impulsionou o subgênero, junto com uma leva de filmes lançados naquele período (REC, Atividade Paranormal e Diário dos Mortos), Cloverfield: Monstro ainda continua ocupando o trono de um dos mais interessantes e inteligentes sci-fi + filme de monstro dos últimos tempos.
Ponto para Abrams, que conseguiu usar o recém-poder adquirido de seu sobrenome graças ao sucesso estrondoso de Lost e seus mistérios insolúveis (até então), teorias de conspiração e sua fanbase e principalmente, o poder de utilizar a Internet e os virais para promover um filme (aumentando em ordens de grandeza o que fora feito com outro famoso found footage no final dos anos 90, A Bruxa de Blair).
Cabeças vão rolar!
E outro fator importantíssimo foi a manutenção do suspense e fomentar aquela sensação de incógnita, não revelando absolutamente nada sobre o que se tratava aquele filme, e mais tarde, nunca mostrar o Clover, nome dado ao monstro, durante a campanha de marketing (e somente uma vez em close, em uma cena originalmente não programada, mas que Abrams achou que o público merecia ver mais detalhes do bichão além dos relances).
Como se não bastasse, o filme se espalhou em virais, pistas, debates em fóruns e os chamados Cloverfiled ARGs, alternative reality games que promoveram adições ao filme e complementos a sua história e a própria origem da criatura colossal, que envolvem desde a corporação japonesa Tagruato, onde o personagem principal, Rob (Michael Stahl-David) iria trabalhar – e por isso a festa de despedida – responsável pelas escavações oceânicas secretas próximas a Nova York, a mesma que usou a queda de um satélite governamental como um bode expiatório, ou mesmo a possibilidade do Slusho Drinks (também utilizado em Alias, outra série de J.J.) ter anabolizado uma desconhecida forma de vida, provocando sua mutação, ou que sua composição pode ser feita do sangue ou outro fluído da criatura encontrada no fundo do oceano.
Detalhe: nada disso é explicado ou mencionado no straight forward filme quase de guerrilha de Matt Reeves, e com o brilhante roteiro de Drew Goddard (hoje um dos roteiristas mais promissoras de Hollywood). Está lá apenas a correia e movimentação captadas por uma câmera na mão do ataque da criatura a Nova York e um grupo de pessoas tentando sobreviver àquela noite catastrófica, incluindo aí o drama pessoal de Rob que tenta resgatar sua pretê, Beth (Odette Annable), que ficou presa em um apartamento avariado durante o avanço do monstro, ou suas crias tóxicas que se espalham pelas ruas e metrô. E tudo isso sem as famosas barrigas das fitas encontradas e um verdadeiro rolo compressor depois que as primeiras explosões são avistadas no horizonte de um telhado.
Vamos fazer uma sextape?
Além disso, Cloverfiled: Monstro é recheado de easter eggs e segredos escondidos pela película, hoje uma espécie de marca registrada de Abrams, como a aparição do logo da DHARMA Initiative, da série Lost, frames escondidos de monstros clássicos do cinema sci-fi como King Kong, O Monstro do Mar e O Mundo em Perigo; mensagens de áudio no final da fita (que ao ser tocada ao contrário, dirá IT’S STILL ALIVE) e até mesmo uma possível fotinho de Clover dentro de Lost.
O único defeito efetivo do ótimo Cloverfield: Monstro é a ultra mega master blaster câmera inquebrável, que parece ser feita de vibranium, que sobrevive a queda de helicóptero, dentadas do monstro e um soterramento, mas já que estamos com o botão da descrença apertado bem fundo, então até dá para relevar esse pequeno detalhe também.
Hoje Abrams é considerado o “novo Steven Spielberg”, algo tanto quanto precipitado, mas é inegável sua importância para a nova cultura pop e o sci-fi, e Cloverfield: Monstro, nada mais que uma bela homenagem a Godzilla, aos demais Kaijus e todos os Big Bugs e monstros gigantes do cinema B, para mim ainda é a sua mais perfeita contribuição ao(s) gênero(s) (chupa Despertar da Força!) e uma verdadeira aula, ministrada em parceria com Reeves e Goddard, de como misturar elementos em uma história transmídia inteligente e fazer um bom found footage.
Se não tivesse “Monstro” no subtítulo nacional, nem ia perceber…
2008 / Suécia / 115 min / Direção: Tomas Alfredson / Roteiro: John Ajvide Lindqvist / Produção: Carl Molinder, John Nording, Gunnar Carlson, Ricard Constantinou, Lena Rehnberg, Per-Erik Svensson (Co-Produtores) / Elenco: Kåre Hedebrant, Lina Leandersson, Per Ragnar, Henrik Dahl
Deixa Ela Entrar é tudo que A Saga Crepúsculo gostaria de ser, se não fosse escrito por aquela mórmon idiota e voltado a um público adolescente acéfalo. Pronto falei. Mas é claro que isso é uma análise extremamente superficial e mesquinha sobre essa poético filme sueco de amor vampiresco, dirigido impecavelmente por Tomas Alfredson.
Com roteiro de John Ajvide Lindqvist, baseado em seu livro homônimo, Deixa Ela Entrar é uma espécie de renovador do gênero, ainda mais se trantando de um momento de reputação terrível que os sugadores de sangue passam ultimamente. A trama de amor e inocência perdida nunca apela para violência ou sangria desnecessária, sempre sendo carregada por um toque sutil de beleza, uma linda fotografia das paisagens geladas de uma Estocolmo ambientada nos anos 80, filmada em cinemascope, e ritmo lento e arrastado, quase usando o próprio vampirismo da protagonista como apenas um efeito narrativo deixado em segundo plano.
Oskar é um garotinho de 12 anos, solitário e tímido, um tanto quanto estranho, podemos assim dizer, filho de pais separados (sendo que o pai trocou sua mãe por descobrir-se homossexual) que sofre bullying constantemente na escola. Cansado de ser um saco de pancadas, vive treinando sozinho com seu canivete em seu quarto ou em árvores no pátio do complexo habitacional em que vive, mas sem nunca ter coragem de dar o revide. E é nesse pátio que ele conhece Eli, a garota que acabou de se mudar para o apartamento ao lado, igualmente solitária e estranha, que só sai durante a noite e aparentemente também possui 12 anos, apesar de sempre enfatizar que não é uma menina.
Ah, que casal fofo!
O relacionamento inocente dos dois, com toda aquela carga de incerteza e medos de um romance pré-adolescente vai crescendo, um apoiado nas necessidades do outro. Eli sabe muito bem do fardo que carrega por ser uma criatura imortal que tem de se alimentar de sangue e isso restringe ao máximo seu contato e afeto com outros seres humanos, exceto pelo seu pai, com quem vive e é uma espécie de capacho. O garoto a recebe de braços abertos sem esboçar qualquer tipo de preconceito ou estranheza, enquanto deseja o poder e confiança da menina para poder enfrentar seus desafetos. Tanto que ao descobrir que a vizinha e paixonite é uma vampira, isso não o afasta, mas sim, aumenta sua curiosidade e aproxima-o mais dela.
As coisas começam a sair do controle quando o pai de Eli, nitidamente cansado e desgostoso dos assassinatos que vem cometendo a tanto tempo, começa a ficar distraído e falhar na tentativa de conseguir sangue para a garota, já que prefere que ela fique trancada no apartamento para não levantar suspeitas e uma possível captura. Com essa falha e passando fome, Eli decide agir por conta própria e ataca um dos moradores do complexo, o que vai desencadear uma espiral de acontecimentos que coloca em risco a identidade e a vida da garota. Paralelo à isso, Oskar começa a se sentir mais valente e confiante, a ponto de enfrentar o garoto que o atormenta na escola e a feri-lo gravemente, o que vai gerar uma retaliação futura na estupenda cena final da piscina.
Um dos lances mais legais do filme é como ele trabalha a mitologia do vampiro precisar ser convidado para entrar em algum local. É sabido que só com esse convite ele pode adentrar ao aposento de outra pessoa. E uma cena em especial mostra uma reação única quando Oskar recusa a convidar a garota e fica a testando para ver se ela entra sozinha e o que vai acontecer. Ao entrar Eli parece entrar em um estado de convulsão seguida por uma forte hemorragia interna, que faz com que seu sangue comece a escorrer pelos seus poros, até que o garoto a convida formalmente para que ela pare de sofrer. É incrível.
Oskar chatiado…
Claro que por se tratar de um film europeu, ainda mais sueco, não tem o ritmo adequado para qualquer um apreciá-lo, ainda mais essa geração blockbuster que gosta do vampirinho asséptico que brilha na luz do sol e sua amada songa-monga. Assim como também é muito contra-indicado para quem quer ver um banho de sangue aos moldes de Vampirosde John Carpenter, Um Drink no Inferno e 30 Dias de Noite. É preciso ter uma boa dose de tato e apreço cinematográfico para entender toda a beleza e a riqueza por trás de Deixa Ela Entrar. E você pode se considerar um cara de sorte quando encontra uma pessoa especial que goste muito desse filme e assim como eu, o considera um dos melhores filmes de vampiros de todos os tempos.
Tanto que faturou mais de 62 prêmios internacionais de cinema mundo afora e foi sucesso de crítica em diversos festivais em que foi exibido por aí. Até foi indicado ao BAFTA, o Oscar Britânico, como melhor filme de língua não inglesa. Em terras tupiniquins ele foi exibido aqui em São Paulo pela primeira vez durante A Mostra Internacional de Cinema de 2008, e no ano seguinte na primeira edição do festival SP Terror (com ingressos esgotados) e só depois estreou no circuito alternativo em um número ínfimo de salas.
E tão certo quando dois mais dois são quatro, os americanos não tardaram em fazer sua versão, batizada Deixe Me Entrar, dirigido por Matt Reeves, o mesmo do filme do post de onte, Cloverfield – Monstro. Veja bem, não é um filme ruim. Mas o problema é compará-lo com o original, que é uma obra imbatível. Daí fica bem difícil.
2008 / Brasil / 94 min / Direção: José Mojica Marins / Roteiro: Dennison Ramalho, José Mojica Marins / Produção: Caio Gullane, Fabiano Gullane, Débora Ivanov, Paulo Sacramento; Gabriel Lacerda, Paulo Ribeiro, Patrick Siaretta (Produtores Associados) / Elenco: José Mojica Marins, Jece Valadão, Adriano Stuart, Milhem Cortaz, Rui Resende, José Celso Martinez Corrêa, Cristina Aché
Demorou 41 anos, mas o sonho de José Mojica Marins em encerrar a trilogia de Zé do Caixão, que se iniciou em À Meia-Noite Levarei Sua Alma em 63 e seguiu em Esta Noite Encarnarei em Teu Cadáver, de 67, finalmente se encerrou com a Encarnação do Demônio, com chave de ouro e sangue. Filme melhor para uma véspera de feriado de Corpus Christi não há!
Sádico, violento, gráfico, brutal, herege. Encarnação do Demônio é uma superprodução nacional, dirigida e estrelada por Mojica, cercado de um time dos mais competentes possíveis, como Dennison Ramalho no roteiro e assistência de direção (do obrigatório curta Amor Só de Mãe, de um dos episódios de O ABC da Morte 2 e que hoje está escrevendo a aguardada série de terror, Supermax, da Rede Globo), José Roberto Eliezer na direção de fotografia, Paulo Sacramento na edição, André Kapel nos efeitos especiais, produzida pela Gulane Filmes, distribuída pela Fox, e até Alexandre Herchocovitch criando o figurino, muito diferente do cinema desbravador, independente e marginal de Mojica na Boca do Lixo paulistana nos anos 60 (retratado de forma canhestra em seu recente seriado exibido no Space).
E mais, conseguiu de forma brilhante atualizar o personagem coveiro para o novo século, para uma nova plateia, para um novo tempo, aproveitando exatamente todos os elementos do gênero que faziam sucesso naqueles meados e final dos anos 2000, como o torture porn, o new french extremity e o J-Horror, mas com aquele sempre toque de religião, misticismo e trejeitos tipicamente brasileiros, marca registrada de Mojica.
Josefel Zanatas visto em seu habitat natural
Mas sem dúvida, uma das grandes importâncias de Encarnação do Demônio, até para o próprio cineasta, é poder retificar o final de Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, imposto pela censura da Ditadura Militar. Ao término do longa, Josefel Zanatas, ateu confesso, foi obrigado, por conta da canetada federal, reconhecer Deus como seu salvador antes de afundar no pântano após ser perseguido por uma turba enfurecida. Aqui, descobrimos que o personagem folclórico não morreu, mas esteve preso durante esses 40 anos, solto por conta de um mandado judicial.
Aquele momento fatídico é recriado em flashback P&B, onde Zé, interpretado por Raymond Castile, com uma semelhança física com o jovem Mojica impressionante, deixa bem claro que renega Cristo SIM, e faz mais duas vítimas: assassinando um doutor e deixando o policial responsável pela sua prisão cego de um olho. Esses dois personagens terão importância para o desenrolar da trama, quando o coveiro é libertado e resolve continuar sua busca pela mulher perfeita para gestar seu filho, custe o que custar. O velhinho continua com um baita fogo, beijando as gostosonas sem roupa a rodo, além de recrutar novos discípulos para ajuda-lo no terrível feito (abusando dos mais escabrosos testes de lealdade, como o esperado do personagem).
As duas nêmeses de Zé no filme serão justamente o Estado, na figura da polícia, com Jece Valadão vivendo o Coronel Claudiomiro Pontes (Jece Valadão), o mesmo que ficara cego por culpa do vilão, e representa perfeitamente a autoridade abusiva da Polícia Militar, que não mudou absolutamente nada na questão do uso excessivo de violência nesses quase dez anos – afinal a gestão política do estado continua sendo A MESMA, a diferença é que além de bater em mulheres e pobres (como faz no filme) também bate em professor, estudante e homossexual; e a Igreja, na figura do filho do padre morto por Zé (interpretado por Milhem Cortaz criando um personagem propositadamente forçado), que também enveredou pelo caminho do sacerdócio, só que bem mais Opus Dei, com direito a autoflagelação, com o intuito de matar e condenar a alma do facínora ao inferno.
Visualmente, Encarnação do Demônio é de um impacto grotesco, de um descalabro e ode ao mau gosto, como só Mojica poderia chegar, mantendo toda sua aura de transgressão e sua capacidade impressionante como cineasta genial que é, mesmo sempre subestimado perante artistas e público, ainda mais depois de anos no ostracismo onde ficou reduzido apenas a uma figura caricata que apresentava o Cine Trash na Band e cortava suas unhas em programas de auditório.
Pedação de carne!
Brutalidade, gore, crueldade e tortura em alto nível se fazem presentes graças a mutilações, castração com direito a canibalismo, perfuração corporal, suspensão, chuva de sangue durante uma cena de sexo em um terreiro, uma garota nua costurada dentro da carcaça de um leitão, aranhas peludas, baratas e uma ratazana enfiada em um órgão genital feminino, emulando algumas das torturas reais usadas pela própria Ditadura, a responsável direta por destruir a carreira de Mojica.
Outro ponto importante é quanto um personagem completamente folclórico e interiorano como Zé, e que se tornou estereotipado no decorrer dos anos enquanto Mojica tentava ganhar uns trocados, não parece deslocado no tempo com esse update, em um país que continua tão místico e religioso, e ainda levantando um forte questionamento político e social implícito no meio de sua selvageria.
Sim, é estranho vê-lo nos século XX, com muita grana para os efeitos especiais e de maquiagem, e se aproveitando do que havia de mais em voga na terror atualmente, sendo exibido nas salas de cinema dos multiplex, première de gala no faraônico Theatro Municipal de Paulínia durante o festival realizado na Róliúde Brasileira, seguido pela abertura tradicionalíssima da fanfarra da 20th Century Fox, pela primeira vez utilizando sua própria voz (os dois filmes anteriores eram dublados) e Mojica falando um português impecável, principalmente na conjugação dos plurais. Mas logo tudo isso se esvai quando o vemos vestido na cartola e capa preta, junto de sua barba característica e unhas longas, e fazendo aquilo que sabe fazer de melhor.
Demorou mais valeu cada segundo de metragem de Encarnação do Demônio, sem dúvida, um dos melhores filmes nacionais de terror de todos os tempos!