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Channel: Marcos Brolia – 101 Horror Movies
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HQRROR #23 – Hideout

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Você pode correr mas não pode se esconder


A complexidade da mente humana sempre foi algo que nos intrigou. Ciências específicas, como a psicologia, a fenomenologia, a epistemologia e diversas ramificações das neurociências, foram criadas para tentar sanar as dúvidas que surgiram diante da nossa experiência com o mundo.

Como somos capazes de lidar individualmente com a realidade? Como a sociedade nos influencia no plano psíquico? Como, depois de sermos expostos a situações traumáticas, podemos nos recompor e voltar para o convívio com os demais? Essas e outras perguntas encontram tentativas de respostas nas ciências supracitadas e, como não poderia deixar de ser, reflete nas manifestações das artes. No mangá Hideout, acompanhamos como um desses distorcidos reflexos surge no horror.

Nessa obra que trará nostálgicos arrepios aos fãs de Stephen King, seguimos a lenta queda de Kirishima Seiichi rumo ao enlouquecimento. Sua vida de escritor, antes alegre e próspera, começa a ruir depois que problemas financeiros acarretam uma tragédia irremediável. Seiichi sofre como nunca, mas não pode mais permitir que isso prossiga. Decidido a dar uma guinada positiva em sua história, ele viaja para uma ilha paradisíaca e enterrar lá todo o seu passado. Para isso, é preciso aniquilar sua maior e mais terrível algoz: sua esposa. Não há volta.

A estrutura narrativa da obra se apresenta de forma anacrônica e é inteira narrada por Seiichi. As linhas temporais entre o presente e o passado de nosso protagonista são postas para o leitor de modo intercalado, dando pistas sobre as razões do escritor para cometer atos tão horríveis. Isso, embora traga uma dose clichê ao texto do álbum, converge para um de seus pontos altos. O modo como a história é amarrada liga de ponta a ponta todos os detalhes que justificam o seu final. Isso também cria uma interessante possível leitura sobre a condição mental do narrador e da própria condição de escritor.

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As ações esquizofrênicas que ele vai tomando, na medida em que a ação vai se desenrolando, não poderiam ser efetuadas sem uma justificativa. As histórias que nos são apresentadas em textos literários, em sua grande maioria, se articulam de modo lógico. Isso significa que tudo aquilo que acontece lá, acontece por uma razão. Seiichi, enquanto escritor, sabe disso e precisava encontrar, em sua história, algo que fundamentasse seus comportamentos. Uma vez encontrado, era preciso fazer com que eles se mantivessem intactos, tornando sua monstruosa história um terrível romance literário.

Sobre a arte que compõe o mangá, acredito que ela esteja de pleno acordo com o tom da obra. O uso excessivo das sombras nos quadros maiores busca refletir o aspecto mental do narrador. A claustrofobia trazida pela retração dos espaços onde o presente cronológico da trama se apresenta, arremata brilhantemente essa busca de aproximar o leitor da psique de Seiichi.

Outro ponto interessante é a apresentação dos olhos de certas personagens da obra. Existe, nos mangás, uma tradição de representar as órbitas oculares de modo estreito e quadrado. Em Hideout há uma quebra dessa padronização, simbolizando um rompimento entre as condições sociais das personagens e a individualidade dos mesmos. Eles, depois dessa quebra, não servem mais para o mundo. Eles se tornam condenados: Devem viver distantes, longe da sociedade, pois essa jamais aceitaria os seus passados e muito menos os seus presentes.

Hideout é um mangá consistente e perfeitamente bem executado. Ele não traz nada de novo para o leitor mais experiente, mas também não deixa nada a desejar em termos narrativos e visuais.

Ficha técnica:

Hideout – 2014

Roteiro: Masasumi Kakikazi

Arte: Masasumi Kakikazi

Editora Panini Comics

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