Land of the Dead
2005 / EUA, Canadá, França / 97 min / Direção: George A. Romero / Roteiro: George A. Romero / Produção: Mark Canton, Peter Grunwald, Bernie Goldmann; Neil Canton (Coprodutores); David Resnick, Silenn Thomas (Produtores Associados); Steve Barnett, Dennis E. Jones, Ryan Kavanaugh, Lynwood Spinks (Produtores Executivos) / Elenco: Simon Baker, John Leguizamo, Dennis Hopper, Asia Argento, Robert Joy, Eugene Clark
Beleza, hoje o zumbi pode até ter virado Brasil, por conta de The Walking Dead e toda a enxurrada de produções com mortos-vivos que invadiram tanto as telonas quanto as telinhas. Mas lá no ano de 2005, George Romero finalmente pode concluir com chave de ouro sua tetralogia, que se iniciou em 1968 com A Noite dos Mortos-Vivos, e dispondo de orçamento e efeitos de maquiagem de ponta, em Terra dos Mortos.
Aliás, algo possível somente por conta da retomada dos comedores de carne humana que já se encaminhava desde o início do século, primeiro com o sucesso de Extermínio, e depois as excelentes bilheterias de Todo Mundo Quase Morto e Madrugada dos Mortos (ambos distribuídos pela Universal, assim como este aqui), além dos novos capítulos das franquias de Resident Evil e Doom nos videogames, a publicação de The Walking Dead nos quadrinhos e Guia de Sobrevivência aos Zumbis, de Max Brooks, na literatura.
Pois bem, tais quais os três primeiros capítulos da série de Mortos-Vivos, Romero mais uma vez mete o dedo, e com gosto, na ferida, travestindo o cinema zumbi em crítica social ferrenha. Se em A Noite dos Mortos-Vivos, a alegoria era em cima das questões raciais e religiosas, em Despertar dos Mortos, a alienação e o consumismo e em Dia dos Mortos, a violação de códigos de ética, de conduta, raça e credo, aqui em Terra dos Mortos, o mote da vez é a luta de classes, a corrupção e a ganância.

Definitivamente a humanidade perdeu a batalha contra os zumbis, e como um lampejo das experiências sociais realizadas com Buba no último filme da até então trilogia, e a teoria evolutiva dos mortos-vivos, os zumbis aqui parecem começar a aprender e se adaptar, sendo, em maior número, talvez o próximo grau da escala evolucionária de Darwin. Enquanto isso, um grupo de humanos se apinha em condições de subsistência em uma fortificação em algum local não determinado dos EUA (possivelmente a Pittsburgh natal de Romero), ao mesmo tempo em que os mais afortunados moram em uma prédio luxuoso chamado Fiddler’s Green, com restaurantes chiques, shopping centers e todo um clima bizarro de normalidade dos “velhos tempos”, comandando pelo corrupto e ganancioso Kaufman, personagem de Dennis Hopper.
Ele controla também toda a criminalidade, jogos, prostituição e tráfico de drogas nas ruas do entorno de Fiddler’s Green, para manter os desfavorecidos no cabresto, na velha política do pão e circo, enquanto utiliza de métodos escusos e o uso do exército, mercenários e de um veículo armado até os dentes chamado Dead Reckoning, para garantir a segurança e a satisfação de todos, exceto alguns poucos que tentam se voltar contra o sistema. Claramente, Kaufman é o grande vilão, e não os zumbis, bem do jeito que Romero gosta de frisar o quanto nós somos nossos piores inimigos em situações limites como essas. Ele, aliado ao típico pensamento empresarial capitalista uma vez que as decisões da vida de muitos são tomadas por poucos figurões residentes do complexo de apartamentos, que se portam e agem de acordo como uma bancada de diretores de qualquer multinacional.
Desiludido com esse apocalipse social, Riley Denbo (Simon Baker) que fugir daquele local para o Norte, onde possivelmente não haverá ninguém, e se livrar de toda a maleficência e nojo da humanidade. Um dos “empregados” de Kaufman, ele tenta largar o emprego, mas descobre que não será tão fácil. Inclusive quando o poderoso chefão passa a fazer “lutas de gladiadores”, para entreter as massas, jogando aqueles que se opõe a ele no meio de um ringue contra zumbis, tal qual fez com a prostituta Slack, vivida pela Asia “filha do Dario” Argento. Após um entrevero, ele, Slack e Charlie (Robert Joy), um atirador excelente, porém deformado e com atraso mental, são metidos na cadeia e solto apenas quando precisam recuperar o Dead Reckoning de Cholo DeMora (John Leguizamo), que achava que conseguiria comprar um apartamento em Fiddler’s Green, mas a todo tempo era apenas mais um peão de Kaufman, quando enganado decide roubar o veículo e chantageá-lo, caso contrário mandará tudo pelos ares.
Enquanto isso, um grupo de zumbis escoltado por um cadáver ambulante chamado Big Daddy (Eugene Clark), o primeiro que começa a notar os abusos cometidos pelos humanos e desenvolver senso de liderança e inteligência primitiva, se aproxima das imediações da cidade, aprendendo até a atravessar um rio que servia como barricada natural, para invadir o local e disseminar o caos, não dando a mínima para as classes sociais, seja você um mendigo das ruas ou um endinheirado de Fiddler’s Green. Você é apenas carne, a base da pirâmide alimentar.

Nisso, somos brindados com o segundo elemento fortíssimo de Terra dos Mortos, que é a violência gráfica e sangue provenientes da excelente maquiagem da KNB EFX de Kurtzman, Nicotero e Berger, que obviamente serviu de vestibular para a criação dos zumbis e as cenas de gore de TWD cinco anos mais tarde, pegando o bastão passado por Tom Savini (inclusive Nicotero foi seu assistente no terceiro filme), e tratando-a com louvor e, porque não, devido ao avanço tecnológico dos efeitos práticos e CGI, aprimorando-o. Aliás, Savini faz uma ponta durante o ataque zumbi como o mesmo personagem motoqueiro transformado em morto-vivo durante a investida de sua gangue ao shopping em Despertar dos Mortos. E falando em ilustres participações especiais, o próprio Greg Nicotero, além de Simon Pegg e Edgar Wright de Todo Mundo Quase Morto, fazem um cameo como zumbis.
Terra dos Mortos era um projeto que estava na cabeça de Romero desde os anos 90, mas que finalmente saiu do papel, com um orçamento de 15 milhões, o que pode até ser considerado uma ninharia, mas nada comparado ao grana de A Noite dos Mortos-Vivos, ou mesmo Despertar dos Mortos e Dia dos Mortos, com a chancela e campanha de marketing de um grande estúdio, classificação indicativa no MPAA e lançamento digno de um filme de terror “mainstream”, com muito mais ar de profissionalismo, e forma de mostrar toda sua capacidade técnica na direção.
Apesar de seu pacto faustiano com Hollywood, Romero não perdeu sua essência, manteve sua marca registrada, abusou de cenas brutais e splatter e ainda conseguiu concluir, da forma que imaginava, seu conto sobre o colapso social humano, com zumbis apenas de pano de fundo, iniciado no final da década de 60. Terra dos Mortos pode não ser a “obra-prima de Romero” como a campanha mercadológica vendeu na altura, mas mostrou-se o apogeu de suas intenções para com o cinema zumbi e de terror, imortalizando talvez, juntando os quatro filmes, a mais influente, política e importante franquia do gênero.

